Delineamentos de estudos aplicados à saúde

21/06/2022

Resenha de Livro

Se você acompanha o OOBr nas redes sociais, já visitou algum de nossos tutoriais, ou se já leu um de nossos artigos publicados, é bem provável que você tenha visto algumas expressões como: estudo de coorte, estudo de caso-controle, estudo observacional e afins. Esses termos se referem a delineamentos ou tipos de estudos que são usados em pesquisas, por exemplo, eleitorais, acadêmicas, dissertações, pesquisa de mercado, levantamento científicos e é claro, na área da saúde em geral. Algumas vezes os nomes desses estudos são citados sem explicar o seu significado, assumindo que você já tem uma certa noção sobre o que ele se refere. Existem estudos de vários tipos e, para planejar uma pesquisa, é necessário escolher o estudo que mais se encaixa, considerando a sua população, hipóteses, recursos e afins. Neste post, queremos te dar uma breve noção dos principais tipos de estudos utilizados na área da saúde. Ao longo do post você vai encontrar diversos artigos acadêmicos relacionados ao tipo de estudo discutido, para que você possa ver uma aplicação prática. Nas referências deixaremos os artigos e sites que foram usados como base para a construção do texto, você pode acessá-los caso busque uma abordagem mais aprofundada sobre algum assunto discutido aqui. Para facilitar o entendimento, a estrutura do post é baseada em duas definições abrangentes de estudos: os observacionais e os experimentais.

Estudos observacionais

Estudos observacionais são estudos onde o pesquisador atua com um “espectador”, ou seja, o pesquisador não realiza nenhuma intervenção com o paciente. Neste tipo de estudo, o pesquisador tem interesse em realizar medições, procedimentos para coleta de dados e análises. Estudos observacionais são muito utilizados para compreender doenças ou eventos de interesse. Uma das vantagens dos estudos observacionais é que são geralmente realizados em condições mais naturais, e com isso a população de estudo é mais representativa da população-alvo. Essa característica tem importantes implicações para aqueles que atuam no planejamento das ações de saúde e que baseiam suas decisões parcialmente nos resultados das investigações epidemiológicas (FREIRE & PATTUSSI, 2018). Para explicar melhor o conceito de estudos observacionais vamos falar de 4 principais estudos: estudo de coorte, estudo caso-controle, estudo de caso e estudo ecológico.

Estudo de coorte

O estudo de coorte é o tipo de estudo observacional no qual a unidade observada é o individuo. Em epidemiologia, o termo coorte identifica um grupo de pessoas com uma experiência em comum. O estudo tem como objetivo averiguar se a incidência da doença ou evento adverso à saúde difere entre o subgrupo de expostos a um determinado fator de risco e o subgrupo de não expostos. Em resumo, busca-se identificar os efeitos da exposição a um determinado fator. É um estudo longitudinal, ou seja, os participantes são observados por um período de tempo preestabelecido. Estudos de coorte podem ser divididos em prospectivos e retrospectivos. Basicamente, a diferença entre uma coorte prospectiva e retrospectiva é a ocorrência prévia ou não da doença no momento em que o investigador inicia o estudo. Em estudos prospectivos o pesquisador identifica e seleciona os grupos expostos e não expostos no início da investigação e os acompanha por um determinado período de tempo. O retrospectivo também pode estabelecer que os possíveis fatores causais precedem a doença ou outro desfecho. Pelo fato de os dados serem coletados antes que a doença seja conhecida, esse tipo de estudo pode também garantir que as medidas dos prováveis fatores causais não foram influenciados pelo conhecimento de quais indivíduos tiveram a patologia de interesse. Um exemplo simples de utilização de estudo de coorte pode ser a análise da eficácia de uma vacina. Separamos em grupos de pessoas que tomaram a vacina e as que não tomaram. Em seguida, compara-se a incidência da doença em pessoas que tomaram a vacina com a incidência de pessoas que não tomaram.

Vantagens

Cálculo direto do risco relativo;

Relação temporal clara entre exposição e doença;

Eficiente para estudos de exposições raras;

Permite estudar múltiplas exposições e múltiplos desfechos com a mesma coorte.

Desvantagens

O estudo pode ser muito caro e demorado, principalmente se for do tipo prospectivo;

Se for retrospectivo, requer a disponibilidade de registros adequados;

Não é eficiente para estudo de doenças raras;

Não é possível determinar relações de causa-efeito.

Artigo onde foi utilizado estudo de coorte: https://observatorioobstetricobr.org/publicacoes/as-vacinas-conta-covid-19-conferem-protecao-em-gestantes-e-puerperas-hospitalizadas-com-covid-19-grave-um-estudo-de-coorte-retrospectivo/.

Estudo de caso-controle

Estudo de caso-controle, diferente do estudo de coorte, parte do desfecho para o fator de exposição. Aqui o investigador está olhando para o passado a partir da doença para verificar uma possível causa, ou seja, é um estudo retrospectivo. Vale destacar também a diferença entre estudos de caso-controle e coorte retrospectiva, que pode gerar uma certa confusão. Na coorte retrospectiva o pesquisador identifica os expostos e não expostos antes verificar o desfecho, que já aconteceu. A análise se concentra em comparar as incidências ou riscos entre expostos e não expostos. Já nos estudos de caso-controle, são selecionados indivíduos que já têm a doença (caso) e indivíduos que não têm (controle). Em cada um desses dois grupos, verifica-se o número de indivíduos expostos a algum fator de risco. O objetivo é verificar a possível existência de uma associação simples (não causalidade) entre a exposição aos fatores de risco e a doença em estudo. Se o fator está associado à doença, a proporção do fator entre os casos será maior que a mesma proporção entre os controles. Para a seleção dos grupos, os investigadores devem definir explicitamente os critérios para o diagnóstico de um caso e os critérios de elegibilidade utilizados para a seleção. Os controles devem vir da mesma população que os casos e sua seleção deve ser independente das exposições de interesse. Este tipo de estudo é muito útil para investigar doenças raras e para identificar fontes de infecção ou veículos de transmissão de doenças. O estudo mede a associação por meio da razão de chances ou odds ratio. Já fizemos um post sobre esse tema, você pode acessá-lo clicando aqui.

Vantagens

Rápido e barato;

Examina fatores etiológicos múltiplos;

Investiga fatores de risco;

Pode servir como estudo inicial para novas hipóteses.

Desvantagens

Sujeito a viés (se comparado a outros estudos);

Não registra taxas de incidência da doença em indivíduos expostos e não expostos;

Pode ser difícil selecionar os controles;

Pode ser ineficiente para investigação de exposições raras.

Artigo onde foi utilizado estudo de caso-controle: https://bityli.com/URCQQM.

Estudos de caso

Estudo de caso visa estudar a parte de um todo. Tem por característica realizar uma análise profunda e detalhada de um caso individual. Na saúde, por exemplo, esse tipo de estudo visa explicar de modo detalhado e individual a dinâmica e a patologia de uma doença dada. Este estudo pode ser usado nas fases iniciais de uma investigação sobre temas complexos, servindo principalmente para o levantamento de hipóteses e para exploração de novas descobertas, onde se investigam casos atípicos ou extremos. Tem como vantagem investigar a evolução de um fenômeno atual, ao longo do tempo, em profundidade, utilizando-se de fontes múltiplas de evidência e possibilitando, inclusive, considerar dados de natureza quantitativa. Tem como principal desvantagem a impossibilidade de se fazer generalizações dos resultados obtidos para outras situações. Não existe um roteiro rígido e definido para se realizar um estudo de caso, mas podemos citar algumas fases para facilitar o entendimento do estudo. A primeira fase é a delimitação da unidade que constitui o caso. Esta etapa exige habilidade do pesquisador para entender quais dados são suficientes para caracterizar o objeto como um todo. Nem sempre é fácil selecionar casos específicos utilizando critérios estatísticos, mas podemos buscar por casos típicos, casos extremos ou casos atípicos por exemplo. A segunda fase é o levantamento dos dados. Os dados podem ser coletados através de questionários, entrevistas, observações e etc. Existem várias formas de realizar o levantamento dos dados. Aqui já podemos citar uma possível desvantagem de um estudo de caso. Por se tratar de estudos de casos específicos, pode ser difícil realizar o levantamento das informações necessárias. A análise dos dados é a terceira etapa. Aqui se deve considerar o objetivo do estudo na hora de selecionar quais dados serão de fato analisados. Estar atento à representatividade do indivíduo também é essencial, principalmente para a precisão das análises. Por último, pode-se realizar os relatórios parciais e finais apresentando todos os passos do estudo e resultados. Ao olhar as fases de um estudo de caso dessa maneira, pode ver que tem muitas semelhanças com um estudo geral.

Artigo onde foi utilizado estudo de caso: https://bityli.com/QImhYe

Estudos ecológicos

Os estudos ecológicos (também chamados correlacionados) se diferem dos outros estudos observacionais no quesito unidade de análise. Aqui, o que está sendo analisado não é o indivíduo, mas sim um agregado de indivíduos, como populações de países, regiões ou municípios. Normalmente, este tipo de estudo busca comparar as frequências da doença ou outro fator entre diferentes grupos durante um mesmo período de tempo ou na mesma população em diferentes pontos do tempo. Por exemplo, determinar correlações entre a incidência da doença ou mortalidade e a prevalência de fatores de risco. Neste tipo de estudo é necessário sempre se atentar a um fator que é também uma das principais limitações do estudo: o viés ecológico. Esse viés representa uma conclusão errada, obtida quando infere comportamentos de um grupo a um indivíduo, ou seja, associação observada entre agregados não significa, obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra em nível de indivíduos. Uma das principais utilidades do estudo é testar plausibilidade de novas hipóteses ou gerar novas hipóteses, não sendo muito utilizado para testar hipóteses. Também é utilizado para descrever diferenças em populações e para planejar ações em saúde pública.

Vantagens

Rapidez e baixo custo, por trabalhar com dados já existentes e evitar etapas como amostragem dos dados;

Permite medir a exposição no nível ecológico;

Permite observar a variação na exposição média entre as diferentes regiões.

Desvantagens

Depende da qualidade das informações disponíveis;

Não é possível a associar a exposição e a doença no nível individual.

Artigo onde foi utilizado estudo ecológico: https://bityli.com/qEvMEL.

Estudos experimentais

Nos estudos experimentais, a diferença dos estudos observacionais, o pesquisador intervém no estudo de alguma forma. Consiste em determinar o objeto de estudo, selecionar as variáveis capazes de influenciá-lo e definir formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no indivíduo. Este tipo de estudo, normalmente se desenvolve em laboratório, ou se seja, em um ambiente artificial, pois as condições são criadas pelo pesquisador, mas também pode ser desenvolvida em campo, onde vivem comunidades, grupos e organizações a serem estudados. Normalmente esse é o tipo de estudo utilizado para desenvolver e testar novas drogas, investigação de doenças, avanços de medicações, etc. Um estudo experimental pode ser bem descrito em um ensaio clínico randomizado e é dele que iremos falar a seguir.

Ensaio clínico randomizado (ECR)

Esse estudo pode ser considerado um dos mais poderosos para a obtenção de evidências para a prática clínica, é tido como “padrão ouro”, pois quando bem feito permite ter o maior controle das associações investigadas e determinar relações de causalidade entre fatores e desfechos. Além disso, possui uma metodologia de aplicação bastante simples se comparado a outros tipos de estudos. Na sua forma mais simples, os ensaios clínicos são estudos nos quais um grupo de interesse em que se faz uso de uma terapia ou exposição é acompanhado comparando-se com um grupo controle. Uma das características do estudo é a alocação randomizada (daí o nome) dos participantes, ou seja, os participantes que irão receber uma ou mais intervenções e os que não irão receber, chamados esses de grupo controle, são selecionados de forma aleatória. A randomização cria o meio ideal para estabelecer que a eficácia da intervenção é consequência das variáveis dependentes e não pelo acaso. A seleção randomizada possui vantagens como: a tentativa de eliminação do viés de seleção do grupo atribuído para receber o tratamento, garante a validade do teste de significância estatística que é utilizado para comparar os tratamentos e leva a grupos balanceados ou comparáveis. Vale ressaltar que a amostra dos participantes precisa ser condizente com os objetivos do estudo e representar bem a população, caso contrário, torna-se inviável a possibilidade de realizar inferências e generalizações do estudo, apesar deste não ser o único fator que irá determinar a generalização do estudo. O uso do grupo de controle é essencial para o estudo, ele é definidos como o grupo que teve ausência de tratamento, tratamento com diferentes dosagens ou tratamento com uma programação diferente, como placebo. A comparação desses dois (ou mais) grupos permite obter uma uma resposta direta da relação de causa-efeito. Além da randomização, pode-se incorporar outra estratégia para a redução dos vieses, como o cegamento ou mascaramento. Se o participante sabe ou pensa que sabe que está recebendo o medicamento ativo sua resposta psicológica pode determinar alterações físicas, como: pressão arterial, resposta bioquímica, sugestionamento de melhora ou efeitos adversos. O cegamento visa contornar esses efeitos.

De acordo com o grau de cegamento os ECR’s podem ser classificados em:

Abertos: todos os envolvidos no estudo clínico sabem o que se passa com as intervenções;

Simple-cego (single-blind): participantes não sabem se estão recebendo substância ativa ou placebo;

Duplo-cego: nenhum envolvido no protocolo de estudo pode identificar a intervenção administrada ou avaliada;

Outros: cegamento específico para cada parte envolvida, investigadores, quem administra a medicação, quem avalia o participante durante o estudo, quem avalia os desfechos das intervenções, quem analisa os dados obtidos e quem escreve os resultados e o artigo para publicação.

Vantagens

Pode produzir a evidência mais forte para relação de causa e efeito;

A alocação aleatória neutraliza as prováveis influências dos vieses e fatores de confundimento;

Ajuda a avaliar o efeito do tratamento em todos os participantes.

Desvantagens

Pode ser muito caro;

Pode não ser generalizáveis, a depender do caso;

Muitas questões de pesquisa não são apropriadas para desenhos experimentais, devido a barreiras éticas ou eventos muito raros;

Podem ser longos.

Exemplo de aplicação de ECR: https://bityli.com/xCWJKE.

Ensaio clínico não randomizado (quase experimental)

Ensaios clínicos não randomizados também possuem um grupo intervenção e um grupo controle. Porém, diferente do estudo randomizado, os participantes de cada grupo são escolhidos pelo pesquisador, da forma que for mais conveniente. É considerado um estudo de antes e depois. Este delineamento não consegue controlar outros fatores que podem ter ocorrido concomitantes à intervenção implantada, e que podem ter contribuído para a mudança no desfecho.

Exemplo de aplicação de ECNR: https://bityli.com/wzzFyu.

Considerações finais

Neste post tentamos apresentar, de forma resumida, algumas características dos principais tipos de estudos utilizados na área da saúde. Ao invés de dar exemplos resumidos sobre a aplicação dos estudos, foram incluídos artigos científicos em cada um dos estudos para servir de exemplo prático. Esperamos que com a leitura deste post você consiga entender melhor como os estudos, de forma geral, funcionam. Nas referências deixamos vários sites e artigos que consultamos para fornecer algumas explicações, alguns deles se aprofundam mais em um ou outro tema específico, vale a pena olhar. Até a próxima!

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Referências

SOUZA, Raphael F. O que é um estudo clínico randomizado?. Medicina (Ribeirão Preto), v. 42, n. 1, p. 3-8, 2009.

DE OLIVEIRA, MARCO AURÉLIO PINHO; PARENTE, Raphael Câmara Medeiros. Entendendo ensaios clínicos randomizados. Brazilian Journal of Videoendoscopic Surgery, v. 3, n. 4, p. 176-180, 2010.

FERNANDES, Susana M.; CARNEIRO, António Vaz. Tipos de estudos clínicos. II. Estudos de coorte. Revista portuguesa de cardiologia, v. 24, n. 9, p. 1151-8-1158, 2005.

NEDEL, Wagner Luis; SILVEIRA, Fernando da. Os diferentes delineamentos de pesquisa e suas particularidades na terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 28, p. 256-260, 2016.

ROSARIO-FILHO, Nelson Augusto. Ensaios clínicos randômicos e controlados.

SHARMA, Neha; SRIVASTAV, Adarsh Kumar; SAMUEL, Asir John. Ensaio clínico randomizado: padrão ouro de desenhos experimentais-importância, vantagens, desvantagens e preconceitos. Rev Pesqui Fisioter, v. 10, n. 3, p. 512-519, 2020.

SILVA, Brunno. Manual de tipos de estudo. 2019.